Viagem no tempo, mundos paralelos, ficar preso num loop do tempo revivendo o mesmo dia. Além do envolvimento pesado de ficção científica e (pseudo) física quântica, essas situações compartilham entre si alguns dos arcos narrativos mais usados e abusados dentro do entretenimento – com exceção da música, creio que filmes, séries e livros já ordenharam o máximo desse conceito. Até que eu assisti “Palm Springs” e disse “comédia romântica? Sério?”, seguido de um “uau”, quase uma hora e meia depois de filme.

Com os leads carismáticos de Andy Samberg (Brooklyn 99) e Cristin Milioti (How I Met Your Mother), o filme lançado pelo Hulu agradou tanto ao público que quebrou o recorde da plataforma de visualizações em um fim de semana de lançamento. A comédia arriscada (que recebeu a classificação “R” da MPAA) traz a história de Nyles, um rapaz de filosofia niilista que está preso no loop temporal do dia do casamento onde a sua namorada é a madrinha da noiva. No evento, Nyles conhece Sarah, a irmã da noiva, que acaba o acompanhando para uma caverna misteriosa e se prendendo junto dele ao mesmo loop temporal. Não é spoiler; isso é basicamente entregue no início do filme e no trailer, então, sosseguem.

Quando se menciona algo sobre ficar preso no mesmo dia, imediatamente vem a mente a clássica comédia romântica “O Feitiço do Tempo” de 1993, que estrelava Bill Murray. Se usar essa narrativa em outro gênero já corre o risco da história parecer formuláica, imagina quando você envereda pelos caminhos de rom-com. Mas a comparação das obras não afeta Palm Springs, isso graças a um charme extra trazido pela direção de Max Barbakow junto da história de Andy Siara, que se destaca por estar LONGE de ser uma comédia romântica fofinha e clean que você provavelmente assistiria na Sessão da Tarde.
Esse comentário se dá não só apenas pelo vocabulário mais livre dos personagens, como também pela discussão do niilismo e do existencialismo em meio as piadas e ao clima criado entre o casal principal. Ninguém espera que uma comédia (facilmente detentora de classificação de 18 anos no Brasil) em uma hora e meia consiga estabelecer uma reflexão sobre esses dois temas. E ainda sim, é feito com maestria na quantidade correta, para fazer um filme de comédia não virar uma pregação chata sobre ditas filosofias.
No campo da ficção científica, é claro que a obra peca um pouco – afinal, esse não é o seu foco. Mesmo nos descuidos nessa área, o filme rouba a nossa atenção para outros elementos com o seu elenco super entrosado, naquilo que eu chamo de “Efeito De Volta Para o Futuro”. Se você parar para destrinchar as aventuras de Marty McFly e do Doc Brown, os buracos na história vão aparecer à galope. Mas você escolhe não se importar, porque o filme é muito divertido. É exatamente isto que acontece com o casal formado por Andy Samberg e Cristin Milioti. Última vez que vi tanta química em cena no início de uma história foi enquanto assistia o piloto de Breaking Bad – só pra se ter uma ideia do quão bom está isso.

Sem a performance dos atores (acompanhados por um JK Simmons hilário e igualmente psicodélico como o professor de Whiplash), o filme poderia ruir a qualquer momento com a premissa exagerada. No entanto, felizmente, não é isso que acontece, com Nyles e Sarah segurando tudo. Vale se ressaltar que apesar do conceito ambicioso, o filme foi feito com o orçamento de cinco milhões de dólares, o que esterçou a história para um foco maior com seus personagens, e que bom por isto. As piadas inseridas são hilárias, a fotografia é colorida, vibrante e é muito difícil apontar um detalhe deste filme que falte com a qualidade.
Talvez eu esteja sendo muito emocionado por ser um tiete desgrenhado do Andy Samberg (Andy entre em minha casa e viole toda a minha família), mas o filme facilmente encabeça minha lista de melhores rom-coms de todos os tempos, sem falar na figuração de melhores filmes de 2020 pra mim. Não é como se a amostragem fosse muito grande, ou como se eu tivesse visto outros filmes…, mas assim como filmes que envolvem viagem no tempo, mundos paralelos e ficar preso num loop temporal revivendo o mesmo dia; o criador é quem faz as regras.