Nada é capaz de provocar tanto êxtase quanto uma história bem contada. A ficção científica adiciona o vislumbre do desconhecido, das infinitas possibilidades e um fascínio estético ao elemento que mais cria escritores, ou contadores de histórias: o pleno exercício da criatividade. Se a escrita criativa pode trazer liberdade sem amarras, ficção científica sempre foi uma máxima dessa idéia, e por isso não surpreende que seja um gênero que sobreviva e se traduza para diferentes épocas, e as mais variadas mídias. Ela retém e renova seu público a cada projeto ao mesmo tempo que é o objeto de desejo de várias mentes criativas. Então, em tempos de briga por espaço em um mercado audiovisual televisivo cada vez mais competitivo, o gênero é uma escolha que acaba aparecendo em todo serviço lutando por uma parcela de público.
A Amazon Prime abre o terreno para o gênero em sua nova fase – onde o modo de operação é abandonar projetos menores em trocas de grandes títulos, com uma escolha arriscada. Tales From The Loop certamente recebeu o aval para produção pela associação com o nome de Matt Reeves – diretor responsável por traduzir a franquia Planeta dos Macacos para uma audiência moderna, também sendo a aposta da Warner para a renovação do Batman ano que vem. Ele aqui serve de produtor executivo. Mas, o projeto, é mais ousado do que aparenta de início, ele é baseado não em uma série de livros convencionais já bem testada no mercado editorial, e sim em um livro de arte homônimo do desenhista suíço Simon Stålenhag. O livro em si foi adaptado para um RPG [do inglês: role playing game].


A adaptação para o formato audiovisual conta a história de uma série de indivíduos e famílias que moram em volta do Loop, uma misteriosa máquina construída para exploração dos mistérios do universo, fazendo assim, ‘’coisas geralmente relegadas à ficção científica, possíveis.’’. Cada um dos 10 episódios focam em determinado grupo de pessoas e sua interação com alguma máquina ou elemento que circunda o Loop. As histórias são, em sua maiorias, exclusivas ao episódio mas são interdependentes entre si, já que a cidade e as famílias se cruzam pela temporada, não se tratando então de uma antologia episódica.
O grande trunfo é a simplicidade. Os acontecimentos ficcionais que empurram os episódios são geralmente escolhas óbvias do universo de ficção científica: viagem no tempo, troca de corpo. Os próprios temas escolhidos a serem desenvolvidos não são estranhos a quem já acompanhou pelo menos um programa do gênero: suficiência ou não da tecnologia, percepção da passagem do tempo. É essa escolha que trás o vislumbre. Ao se permitir ser simples e não tentar chocar, questionar e confundir o espectador a todo tempo (como pretendem outros projetos como o popular Black Mirror do inglês Charlie Brooker); Uma certa leveza conduz os episódios onde as obviedades estruturais, que inevitavelmente aparecem, estão a serviço da execução dos roteiros e da direção, como devem ser. A série quer concluir seus episódios com uma mensagem e, por mais brega que isso possa parecer hoje em dia, a tonalidade em seus melhores episódios é extremamente funcional pois parecem bem articuladas. Remete, no geral, a bons filmes da era de ouro da Pixar, onde a história é pensada quase como a estética visual em si. A clássica abertura de Up é um ótimo exemplo dessa idéia, onde a música e a sensação passada pela cena são mais essenciais do que o de fato está escrito no roteiro.
Tais filmes da Pixar e Tales From The Loop – que não por coincidência conta com um episódio dirigido por Andrew Stanton, responsável por Procurando Nemo e Wall-E – somam a simplicidade citada acima, temas universais em suas mensagens: família, velhice, pertencimento […]. Porém, em uma realidade com uma audiência bem mais treinada com construções e desconstruções de modelos narrativos simples – um panorama que nem a Pixar parece conseguir se manter em pé criticamente tão bem quanto antes – é curioso e até impressionante como Tales From The Loop se mantém equilibrado.

Quando se pensa em ficção científica na televisão, dois nomes são obrigatórios e ajudam a explicar a questão acima: Gene Roddenberry e Rod Sterling. Em seu Star Trek, Gene milagrosamente consegue trazer questões filosóficas semanais a um programa familiar que questiona seu público sem o alienar. Em seu Twilight Zone, Sterling eleva um gênero associado a crianças e desafia sua audiência a olhar além do básico. As duas obras costumam concluir seus episódios com uma mensagem, alguns mais óbvios que os outros, mas todos com um fio condutor: ficção cientifica não está tão longe de nós, e das nossas questões que nos são pertinentes. E por escolher ir ao simples, mas se manter alinhado com o pensamento anterior, é que Tales From The Loop se faz sustentável.
É verdade também que grande parte da audiência pode considerar a série estupidamente fácil como outra parte, ironicamente, pode considerar desnecessariamente complicada. Por esse motivo, a maior crítica ao episódico é não se apropriar mais dessa noção e se permitir ir além do básico. Por vezes, parece um ensaio de algo que Ted Chiang – aclamado autor do gênero escreveria e também chega a lembrar o que Damon Lindelof fez em sua série para HBO, The Leftovers, porém sem o desapego estrutural. Lembrar essas duas referências é um elogio, mas não atingir plenamente seus níveis é uma crítica.
A série é uma carta de amor sincera para a ficção científica. Ela permite-se usar das convenções do gênero para se elevar, mas também se deixa cair quando essas mesmas convenções a prejudicam. No fim, o que mais importa, é que Tales From The Loop parte de um princípio honesto: contar boas histórias.
Todos os episódios de Tales From The Loop já estão disponíveis na Amazon Prime Brasil.